Missão Dragonfly: o que podemos explorar em Titã?

Texto de autoria de
Fernanda Jamel
Laboratório de Astrobiologia, Universidade de São Paulo, Brasil

Você provavelmente já deve ter ouvido falar nas luas congeladas do Sistema Solar em postagens anteriores (BUSCA DE VIDA NOS MUNDOS OCEÂNICOS DO SISTEMA SOLAR). Estas Luas são alvos de diversos estudos astrobiológicos. Inclusive, a maior lua de Saturno – Titã – é considerada um análogo da Terra primitiva devido às suas condições ambientais semelhantes – como o ciclo hidrológico de metano – que permitiriam suportar a formação de moléculas pré-bióticas.

Características de Titã

Esquema mostrando as características de Titã, a maior lua de Saturno.
Modelo da possível estrutura do interior de Titã. Fonte: Astrobiologia: uma ciência emergente (GALANTE et al., 2016).

Titã possui cerca de 1,5 vezes o tamanho da nossa Lua e é cerca de 80% mais massiva. Além disso possui uma atmosfera mais densa que a da Terra e aproximadamente 1,2 vezes mais pesada. A composição da atmosfera de Titã é diferente da Terra, sendo composta por 98,4% de nitrogênio e aproximadamente 1,65 de metano, comparado com os 78% de nitrogênio, 20,9% de oxigênio e aproximadamente 1% de outros gases na atmosfera terrestre. Por conta dessa composição, a atmosfera de Titã é bastante opaca, ou seja, bloqueia a passagem da maior parte da luz do Sol. Isso dificulta a observação direta dessa lua. As primeiras imagens da superfície de Titã só foram possíveis graças a sonda Cassini em 2004.

Fotografia obtida pela sonda Cassini da NASA da superfície de Titã. Nela podemos ver um lago (provavelmente de hidrocarboneto) citado no texto.
Grande lago observado na superfície de Titã pela sonda Cassini. Fonte: NASA/JPL-Caltech/ASI/Cornell.

Titã x Terra

A lua Titã teria condições para a vida bastante diferentes das que encontramos na Terra hoje em dia, mas ao mesmo tempo incrivelmente parecidas com a Terra primitiva. Em Titã, existe um ciclo hidrológico muito semelhante ao da Terra, mas que envolve nuvens, chuva e até mesmo rios de metano – não de água – que correm ao longo de sua superfície. No nosso planeta, todo o maquinário biológico depende de água, já em Titã, dada a grande concentração de hidrocarbonetos, poderia conter vida com um maquinário biológico dependente de metano ou etano líquido, por exemplo. Para obtenção de energia, esses potenciais organismos de Titã poderiam utilizar gás hidrogênio no lugar de oxigênio, com produção de metano em vez de gás carbônico, como os organismos da Terra.

Esquema comparando o ciclo hidrológico da Terra com o ciclo do metano em Titã. Nele fica claro as diferenças e similaridades.
Comparação do ciclo da água na Terra com o ciclo do metano em Titã. Uma parte do metano que fica na camada mais superior da atmosfera de Titã reage com luz ultravioleta vinda do Sol, gerando uma camada de smog alaranjado, enquanto nas camadas inferiores precipita sobre a superfície na forma de “chuva”. Fonte: Astrobiologia: uma ciência emergente (GALANTE et al., 2016).

Mas de onde tiraram essa hipótese? Bom, aqui na Terra nós encontramos alguns microrganismos que nos mostraram essa possibilidade, os chamados metanogênicos. Esses microrganismos têm a capacidade de reagir gás carbônico (CO2) com gás hidrogênio (H2) formando metano (CH4) e água (H2O). Além disso, estudos mostram que os metanogênicos estão por aqui quase desde a origem da vida na Terra. Todas essas hipóteses fazem de Titã um excelente local de estudo para a busca de vida fora do nosso planeta.

A missão Dragonfly

Com o crescente interesse em Titã, a NASA anunciou a missão batizada como Dragonfly (libélula em português). Ela visa sobrevoar a maior lua de Saturno buscando locais propícios para a aquisição de amostras e dados para entender mais a fundo sobre os blocos de construção (building blocks) da vida. A missão está marcada para ser lançada em 2026, com chegada na lua congelada de Saturno em 2034.

Representação artística da missão Dragonfly da NASA para facilitar o entendimento das diferenças com as outras missões espaciais que já aconteceram.
Conceito de como será o “drone” Dragonfly que irá para Titã. Fonte: JOHNS HOPKINS APL.

Essa será a primeira vez que a NASA irá usar um veículo de voo muito parecido com um drone, carregando diversos instrumentos científicos para estudar o potencial de habitabilidade de Titã. Isso inclui análises sobre química pré-biótica e potenciais assinaturas químicas e biológicas que podem nos trazer uma resposta acerca do tipo de vida que poderia ser encontrada lá, baseada em água ou em hidrocarbonetos. Inclusive, o helicóptero Ingenuity, companheiro do Perseverance em Marte, está testando tecnologias de voo que podem ser muito úteis e promissoras para o projeto Dragonfly.

Mas por que investir em instrumentos voadores? Existem muitos estudos prévios que descrevem Titã como um local que possui uma atmosfera relativamente tranquila (com pouca perturbação meteorológica) que, junto da baixa gravidade, permitiria voos ao redor da lua mais facilmente. Espera-se que o drone percorra grandes distâncias em pouco tempo, o que tornaria a missão possivelmente mais eficiente do que com os rovers, diminuindo o tempo necessário para a coleta de dados. Além disso, o drone terá a vantagem de sobrevoar a densa atmosfera de Titã para coletar materiais na superfície, investigar a atmosfera e suas propriedades, explorar ambientes onde pode ter existido água líquida, coletar informações sobre compostos orgânicos mais complexos que poderiam ser evidências para vida passada ou presente, e até mesmo investigar seu oceano subterrâneo.

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