Texto de autoria de
Erik Rios
Laboratório de Astrobiologia, Universidade de São Paulo, Brasil
Olhando pelo universo, até hoje nenhum corpo celeste nos lembrou do nosso lar, a Terra; pelo menos não como ela é hoje em dia. Contudo, desde a nossa última visita a uma lua gelada nos confins do sistema solar, talvez nós tenhamos vislumbrado uma paisagem que achávamos pertencer apenas ao passado do nosso planeta. Estamos falando do maior satélite de Saturno, Titã.
Titã é um corpo celeste relativamente grande para uma lua (5,149.4 km de diâmetro, maior que o planeta Mercúrio!), então é facilmente visualizável por um telescópio simples. Por causa disso, ela foi descoberta em 1655. Mas foi apenas em 1979, quando a sonda Pioneer 11 sobrevoou o sistema saturniano, que os segredos desse pequeno-grande mundo começaram a ser revelados. Na segunda passagem humana pela lua, pela Voyager 1 e 2 em 1980 e 1981, as primeiras imagens de Titã inundaram o imaginário de cientistas e entusiastas ao redor do mundo. Foi-se observada pela primeira vez a espessa atmosfera de tom laranja amarronzado, que foi capaz de impedir que as sondas pudessem visualizar a superfície da lua e a sua geologia. Porém, as primeiras análises químicas pelos instrumentos das sondas apontaram a presença de traços de moléculas orgânicas simples, com etano, propano e acetileno, assim como o gás predominante na atmosfera, o nitrogênio, principal constituinte da atmosfera terrestre.
Nesse momento, devido às temperaturas gélidas dessa região do sistema solar, já se especulava a possibilidade de haver a presença de lagos de etano na superfície da lua. Possibilidade essa que foi confirmada em 2004, quando o primeiro objeto feito pelo homem a orbitar Saturno, a sonda Cassini-Huygens, chegou ao planeta a fim de desvendar os mistérios do sistema. Após muitos voos sobre Titã, os segredos de uns de corpos mais fascinantes que orbitam o nosso Sol começaram a ser revelados.
Primeiramente, na atmosfera da lua foram encontrados muitos constituintes orgânicos básicos, tais quais como metano, que parece ter um papel crucial na formação de outras moléculas. Uma grande quantidade de reações químicas foi identificada, capazes de formar moléculas orgânicas complexas, e algumas outras, importantíssimas para a manutenção da vida. Foi um grande choque para a comunidade científica saber que nessa lua tão distante do Sol havia a presença de transformações químicas de forma organizada e constante, muito semelhante a alguns cenários simulados da formação dos primeiros blocos construtores da vida em nosso planeta há bilhões de anos.
Um outro aspecto impressionante de Titã é a presença de ciclo bem definido de transformações físicas envolvendo o metano e o etano, que se assemelha muito ao ciclo da água na Terra. Os gases em altas altitudes da atmosfera de Titã se condensam, induzindo a formação de nuvens, que abastecendo precipitam na superfície, rios e lagos no hemisfério norte da lua, sendo formados por uma mistura de etano e metano e outras moléculas orgânicas em menor quantidade. Devido a geografia não homogênea do corpo celeste, a formação de paisagens inteiras, com a presença de montanhas e vales onde rios correm em direção a grandes lagos, fazem com que a lua, de certa forma, se pareça um pouco com a nossa casa.
Apesar da grande quantidade de dados e modelos já obtidos a partir de observações feitas na lua, mais um mistério ainda reside nas profundezas de Titã. Análises feitas a partir dos vários instrumentos que passaram pelo corpo celeste detectaram a presença um oceano abaixo da superfície da lua, cujo simulações predizem ser composto por água salgada, assim como algumas outras luas no sistema solar. E onde há água, as chances de vida se tornam bastantes promissoras. Além disso, é possível que a química orgânica observada na lua seja tão complexa a ponto de poder sustentar a química da vida.
A NASA (Agência Espacial Norte-Americana) tem planos para não só voltar a Titã, mas também colocar um rover em sua superfície em meados de 2030 com o projeto Dragonfly. Esse robozinho talvez seja capaz de nos fazer entender ainda mais sobre estranha, e ao mesmo tempo um pouco familiar, lua de Saturno.
Autor: Erik Gabriel Rios