Texto de autoria de
Raquel Farias
Laboratório de Astrobiologia, Universidade de São Paulo, Brasil
Se antes os exoplanetas preenchiam páginas de ficção, hoje preenchem as de inúmeros artigos científicos. Em menos de três décadas depois do primeiro exoplaneta descoberto, mais de 4000 já foram confirmados e esse número cresce a cada dia. Mas pera aí, exoplaneta? O que é isso? Se você andou dormindo nos últimos anos e não sabe e x a t a m e n t e… o que são exoplanetas? onde residem? como são detectados? Você vai descobrir HOJE, no texto do blog.
Há um pouco mais de 30 anos, a ideia de que existiam planetas orbitando outras estrelas além do Sol não passava de enredo de ficção cientifica ou de uma proposta considerada ousada pela comunidade científica. Tudo mudou na década de 90 quando detectaram, inesperadamente, dois planetas orbitando um Pulsar e um planeta orbitando uma estrela parecida com o nosso Sol, em 1992 e 1995 respectivamente. A descoberta desse planeta que orbita uma estrela do tipo Solar, chamado de 51 Pegasi b, foi tão desbravadora que rendeu aos seus autores o Prêmio Nobel de Física em 2019. Desde então, todos os planetas fora do Sistema Solar, que orbitam estrelas que não o Sol, são chamados de exoplanetas.
Se antes os exoplanetas preenchiam páginas de ficção, hoje preenchem as de inúmeros artigos científicos, pois sabemos que eles não só existem, como também são abundantes em toda a nossa Galáxia. Em menos de três décadas depois dos primeiros exoplanetas descobertos, mais de 4300 já foram confirmados e esse número aumenta literalmente a cada dia. A existência de planetas é tão comum, que provavelmente todas as estrelas da Via Láctea possuem ao menos um exoplaneta ao redor delas e muitos deles podem ter tamanhos comparáveis ao da Terra e apresentar características com potencial de abrigar vida (clique aqui para saber “O que torna um planeta habitável?”). Mas, antes de aprender qualquer coisa sobre a existência de exoplanetas promissores, é importante entender como eles são detectados, nomeados e classificados.
Detecção de exoplanetas
Os primeiros exoplanetas descobertos lá na década de 90 foram todos detectados através do método de velocidade radial, que até hoje ainda é utilizado para complementar outros métodos, mas não é mais o único. Atualmente, as técnicas de detecção de exoplanetas mais utilizadas são as de variação da velocidade radial, a de trânsito planetário, a de microlenteamento gravitacional e o imageamento direto. É importante saber que esses métodos não são os únicos que existem, mas serão os únicos abordados aqui. Até existem outros métodos de detecção, mas eles possuem resultados menos expressivo e são bem menos utilizados.
Velocidade radial
Com certeza você já ouviu uma ambulância passar perto de você e certamente já deve ter percebido que, quando ela está muito próxima, o som da sirene é muito alto e agudo, enquanto, conforme ela se afasta, o som vai se tornando mais grave. Esse fenômeno é conhecido como efeito Doppler e é a base do método de detecção de exoplanetas por velocidade radial. O método de velocidade radial é uma forma de detecção indireta, pois se baseia nos efeitos gravitacionais que o exoplaneta exerce sobre sua estrela. Em um sistema composto por apenas uma estrela isolada, o centro de massa do mesmo coincide exatamente com o centro da estrela. Entretanto, quando o sistema possui outros corpos (exoplanetas) orbitando a estrela hospedeira, a gravidade dos exoplanetas desloca o centro de massa do sistema planetário. Basicamente, isso significa que a presença de um exoplaneta altera gravitacionalmente a órbita e velocidade da estrela hospedeira, fazendo com que ela rotacione em torno do centro de massa do sistema, que não mais coincide com o centro dela. Quanto maior a massa do planeta, maior será a amplitude desse efeito. Essa variação da velocidade é percebida através do efeito Doppler resultante, que altera o comprimento de onda observado por nós. De forma prática, ao observar uma estrela com exoplanetas ao redor dela, conforme ela rotaciona o centro de massa do sistema, a órbita dela faz com que a mesma se afaste e se aproxime de nós. Quando a estrela está se aproximando, enxergamos seu espectro mais próximo do azul, enquanto, quando ela está se afastando, enxergamos mais próximo do vermelho e essa variação só existe quando há a presença de um ou mais exoplanetas a orbitando.
Trânsito planetário
O trânsito planetário também é uma forma de detecção indireta de exoplanetas, que ocorre quando eles passam diretamente na frente da sua estrela hospedeira e consequentemente diminuem parte da luz que é observada pelos nossos telescópios. Esse método consiste basicamente na observação da curva de luz da estrela e na identificação de pequenas diminuições no fluxo recebido. A intensidade e frequência dessas diminuições irão ditar, respectivamente, o tamanho e o período orbital do exoplaneta detectado. Ou seja, planetas maiores bloquearão mais luz e consequentemente gerarão “quedas” mais profundas, enquanto planetas mais distantes terão essas quedas mais demoradas. Além disso, essa técnica é muito interessante, pois ela pode fornecer informações sobre a composição da atmosfera de um exoplaneta se ele possuir uma. Basicamente, quando o exoplaneta com uma atmosfera passa na frente da estrela, parte da luz atravessa a atmosfera e as linhas de absorção geradas produzem um espectro de transmissão que permite a identificação da composição da mesma. Esse é o método é o mais eficiente de detecção de exoplanetas e é responsável pelo descobrimento da maioria dos exoplanetas confirmados hoje.
Microlenteamento gravitacional
Essa é uma técnica que permite a detecção inesperada de pequenos exoplanetas a longas distâncias e se baseia na Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein. Como provavelmente você já sabe, a gravidade é uma propriedade geométrica do espaço-tempo, na qual massa e energia deformam essa estrutura do espaço-tempo. Logo, a gravidade de um objeto distante maciço, como uma estrela e seu exoplaneta, afetam a trajetória da luz emitida por objetos ainda mais distantes, atuando como uma lente. Basicamente, o método de microlenteamento gravitacional é um fenômeno relativamente raro e não reproduzível, que ocorre quando uma estrela e seu exoplaneta cruzam a frente de uma outra estrela mais distante que está sendo observada. Quando isso acontece, ocorre uma magnificação da luz emitida pela estrela mais distante, que é ainda maior quando existe a presenta de um exoplaneta, devido ao efeito adicional da sua gravidade, e esse fenômeno é observável por nós.
Imageamento direto
É muito provável que você já tenha tentado observar as estrelas, mas teve dificuldade de enxergá-las por causa do excesso de luz nos centros urbanos. Isso ocorre porque a luz das estrelas é muito mais fraca, devido à distância, do que a luz de um poste a poucos metros acima de você. Entretanto, você provavelmente já deve ter notado que, ao tampar a luz do poste com as mãos, é possível enxergar com mais facilidade o brilho das estrelas que estavam atrás dele. A técnica de imageamento direto segue exatamente o mesmo raciocínio, mas ainda é uma das menos utilizadas e mais difíceis para detectar exoplanetas, pelo fato de que as estrelas são milhões ou bilhões de vezes mais brilhantes que os exoplanetas que a orbitam, logo qualquer luz refletida no planeta é ofuscada pela estrela. Entretanto, da mesma forma que você tampa a luz do poste com as mãos para observar as estrelas, astrônomos bloqueiam a luz das estrelas através de dispositivos, como o coronógrafo, para observar possíveis exoplanetas as orbitando. Dessa forma, por mais que seja difícil, esse método é muito legal pois, como o próprio nome já diz, é uma forma de detecção direta desses objetos, ou seja, é uma técnica que permite, literalmente, que enxerguemos diretamente os exoplanetas e não apenas seus efeitos.
Nomeação e classificação dos exoplanetas
Quem acompanha notícias sobre assuntos espaciais já deve ter se deparado com os nomes estranhos que algumas estrelas e exoplanetas recebem e provavelmente se perguntado do porquê de eles consistirem em basicamente diversas letras e números. A explicação para isso é muito simples: astrônomos não são criativos, mas são práticos. Geralmente, quando uma estrela é descoberta, ela recebe o nome do telescópio que a descobriu, seguido de um número referente à ordem de descobrimento por esse mesmo telescópio. De forma análoga, quando exoplanetas são detectados ao redor de uma estrela, eles recebem o nome dela, mas além disso, recebem uma letra minúscula, a partir da letra b, na qual a ordem alfabética representa a ordem cujos exoplanetas foram descobertos.
Tá, mas o que isso significa? — Vou explicar com um exemplo hipotético. — Vamos supor que a Sociedade Brasileira de Astrobiologia construiu um telescópio, deu um nome para ele (vamos chamá-lo de telescópio SBA) e o apontou para cima em busca de sistemas planetários nunca descobertos. A primeira estrela que esse telescópio detectasse se chamaria SBA-1, a segunda SBA-2, a vigésima SBA-20, e assim por diante. Caso fossem detectados exoplanetas ao redor da primeira estrela, ela deixaria de ser uma estrela isolada e passaria a ser considerada como a estrela hospedeira daquele sistema planetário. Por conta disso, ela é chamada de SBA-1 a. Como a letra “a” é a primeira letra do alfabeto, a estrela é nomeada dessa forma por ser a primeira integrante descoberta daquele sistema. O primeiro exoplaneta descoberto orbitando essa estrela será, portanto, chamado de SBA-1 b, o segundo exoplaneta descoberto será chamado de SBA-1 c e assim sucessivamente, até quem sabe um dia chegar na detecção do exoplaneta SBA-1 z. Felizmente — ou não —, ainda não foi descoberto um sistema planetário com mais de 25 exoplanetas orbitando uma única estrela, então os astrônomos estão seguros, por enquanto, para continuarem nomeando-os dessa forma.
Depois que um exoplaneta é detectado e nomeado, são realizados diversos cálculos a partir das medições, para tentar inferir algumas de suas características básicas e classificá-los com base nos exemplos que temos no nosso Sistema Solar. A determinação dessas características depende diretamente do método que foi utilizado para detectar o exoplaneta. As primeiras características a serem estudadas são os parâmetros físicos simples, como massa, tamanho, período orbital e distância do exoplaneta para com a estrela, por exemplo. Conforme essas informações são coletadas, principalmente acerca da densidade do exoplaneta, é possível inferir se o mesmo é um gigante gasoso, como Júpiter, um gigante de gelo, como Netuno, ou um pequeno rochoso, como a Terra, por exemplo. Só depois que se segue para as medidas mais complexas, como temperatura, presença de campos magnéticos e a presença de atmosfera e sua composição química.
Só sei que nada sei...
Quanto mais exoplanetas conseguimos detectar através dos diversos métodos que existem hoje e quanto mais informações conseguimos coletar e calcular acerca desses exoplanetas, mais conseguimos entender sobre as diversas dinâmicas planetárias que existem no Universo. Hoje sabemos da existência de exoplanetas descobertos que não são semelhantes a nenhum dos planetas encontrados no nosso Sistema Solar e isso só mostra o quanto ainda precisamos conhecer. Num contexto astrobiológico, todos esses passos nos permitem selecionar exoplanetas que sejam promissores e potencialmente habitáveis, seguindo os moldes que conhecemos do planeta Terra. Será que esses planetas existem e será que já foram descobertos? Quem sabe essas perguntas podem ser respondidas num futuro próximo, ao aprimorarmos nossas tecnologias de detecção, ou quem sabe ao discutirmos isso num próximo texto do blog...