Texto de autoria de
Bárbara Polleto
Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, Brasil
De celulares, micro-ondas, aparelhos de rádio, lâmpadas, exames, procedimentos médicos e até mesmo esterilização de alimentos, a radiação eletromagnética está fundamentalmente presente no nosso cotidiano das mais diversas formas, seja através de tecnologias criadas pelo homem ou presente de forma natural no meio ambiente.
Quando pensamos em astrobiologia, e busca de vida fora da Terra, devemos considerar todos os aspectos que permeiam os mais diversos ambientes extraterrestres e suas condições de habitabilidade. Ambientes extremos terrestres que abrigam organismos extremófilos estão entre os principais objetos de estudo de astrobiólogos. Esses ambientes extremos terrestres são ótimos análogos a ambientes extraterrestres, apresentando características físico-químicas semelhantes e comparáveis entre eles. Ambientes como o deserto do Atacama, áreas montanhosas de altas altitudes, e até aqueles com ocorrência natural de metais e semimetais radioativos estão entre os candidatos ideais para o estudo de como organismos radiotolerantes e fototolerantes sobrevivem sob a influência de altos índices de radiação. Esse estudo abre portas para simulações de como a vida pode prosperar e evoluir além da proteção da atmosfera terrestre.
Estudada principalmente por sua capacidade de causar danos à moléculas biológicas, a radiação eletromagnética é onipresente no Cosmos. Ela também é um dos maiores desafios para a permanência de missões tripuladas no espaço e para a resistência de formas de vida, além de ser o principal agente de degradação de possíveis bioassinaturas em superfícies planetárias. Por outro lado, as influências positivas da radiação espacial e da radioatividade planetária sobre a vida também são estudadas, abrangendo o olhar astrobiológico sobre o papel da radiação na formação de estrelas, na síntese de moléculas orgânicas, em teorias sobre a origem da vida e até na possibilidade de suporte de biosferas subsuperficiais sustentadas pelo decaimento proveniente de fontes radioativas como fonte energética.
Mas afinal, o que é radiação?
A radiação é caracterizada como uma energia emitida na forma de raios, ondas e/ou partículas, que podem viajar em diferentes velocidades através do vácuo, ar e outras substâncias. Essas ondas são conhecidas como radiações eletromagnéticas por irradiarem de partículas eletricamente carregadas.
Apesar de agir como ondas, a radiação também pode agir como um fluxo de partículas (fótons) que não tem massa. A quantidade de energia contida na emissão de ondas e partículas determina o comprimento dessa onda e quanto menor o comprimento de onda, mais energética é a radiação e maior seu potencial de interação com a matéria. O conjunto dos comprimentos de onda e partículas energéticas é chamado de espectro eletromagnético.
Quais são os tipos de radiação?
Os tipos de radiação são comumente divididos entre radiação ionizante e não-ionizante. As radiações ionizantes consistem em partículas e fótons que possuem uma energia alta o suficiente para remover totalmente um elétron da órbita de um átomo ou molécula (ionizar) do material que atravessam, consequentemente criando um átomo com carga mais positiva. Já as radiações não-ionizantes são menos energéticas, não possuindo a energia necessária para remover elétrons das órbitas.
Exemplos de radiação não-ionizantes e seus comprimentos de onda
- Frequências de rádio (1 m – 100 km);
- Microondas (1 mm – 1 m);
- Infravermelho (750 nm – 1 mm);
- Luz visível (390 nm – 750 nm);
- Luz ultravioleta (10 nm – 400 nm).
Exemplos de radiações ionizantes e seus comprimentos de onda / propriedades das partículas
- Raios X (0,01 nm a 10 nm);
- Raios γ (<0,01 nm);
- Partículas α (núcleo de átomo de hélio em alta velocidade);
- Partículas β (elétron ou pósitron em alta velocidade);
- Radiação Cósmica Galáctica (GCR).
Fontes das radiações do Sistema Solar
Radiação Solar
Uma das principais fontes de radiação no nosso Sistema Solar é o Sol. Nossa estrela emite todos os comprimentos de onda do espectro eletromagnético e os chamados ventos solares (fluxo constante de partículas ionizadas que se forma a partir da diferença de pressão entre a coroa solar e o espaço interplanetário), dominando o ambiente extraterrestre principalmente com raios ultravioletas e partículas energéticas solares.
A radiação ultravioleta pode ser subdividida de acordo com seus comprimentos de onda: UV-A (320–400 nm), UV-B (290–320 nm) e UV-C (200–290 nm), podendo se estender até curtos comprimentos de onda UV-C e UV a vácuo (10–190 nm). Aqui na Terra, cerca de 99% da radiação ultravioleta que chega até nós é a UV-A, sendo a UV-B parcialmente dispersa pela atmosfera (~1%) e a UV-C totalmente bloqueada.
Quanto a partículas energéticas solares, eventos individuais como erupções solares e ejeções de massa coronal podem acontecer esporadicamente, acelerando as partículas energéticas solares (principalmente fótons) e gerando eventos de emissões mais energéticas do que o normal. Missões tripuladas são planejadas de acordo com essa periodicidade, para que os astronautas não se exponham a níveis de radiação tão altos.
Raios cósmicos galácticos (GCR)
Originários da aceleração por campos magnéticos de remanescentes de supernovas fora do Sistema Solar, os Raios Cósmicos Galácticos (GCR) se caracterizam como núcleos de átomos que tiveram seus elétrons ao redor removidos e viajam em velocidades próximas à velocidade da luz pelo espaço.
A composição dos GCR é de cerca de 85% de íons de hidrogênio (prótons), 14% de íons de hélio e 1% de íons altamente carregados conhecidos como partículas HZE. Um HZE é um íon pesado de número atômico maior do que 2 e alta energia cinética. Carbono (C), Oxigênio (O), Magnésio (Mg), Silício (Si) e Ferro (Fe) são os mais proeminentes. À medida que viajam através do gás tênue do espaço interestelar, parte do GCR interage com esse gás e emite radiação gama.
Enquanto as partículas energéticas solares apresentam um fluxo intenso em energias mais baixas e são aceleradas em eventos esporádicos, os CGR estão presentes em um baixo fluxo relativamente constante, mas seus espectros se estendem a níveis de energia muito altos.
Cinturões de radiação
Os cinturões de radiação mantém partículas carregadas presas em regiões circulares dentro do campo dipolar ao redor de corpos celestes. Os dois cinturões que cercam o planeta Terra são conhecidos como cinturões de Van Allen e fazem parte da nossa magnetosfera. O cinturão interno apresenta maior estabilidade, já o externo pode se expandir e recolher através do tempo, podendo se encontrar com as órbitas da Estação Espacial Internacional e outros satélites.
Cinturões parecidos ao de Van Allen em outros planetas causam taxas de radiação significativas em luas potencialmente habitáveis do nosso Sistema Solar, criando um ambiente semelhante à ecossistemas terrestres em ambientes subterrâneos profundos, que são mantidos por nutrientes produzidos via radiólise de radionuclídeos. As luas Io e Europa, que orbitam dentro do campo magnético do planeta Júpiter, representam alguns ambientes modelo.
Emissões induzidas
As emissões induzidas são compostas de partículas primárias de raios cósmicos galácticos, que quando colapsam com algum átomo atmosférico, são capazes de produzirem uma chuva de partículas secundárias na atmosfera do corpo celeste. Essas partículas decaem em uma curta escala de tempo, emitindo múons, raios gama e elétrons.
Para planetas e outros corpos celestes com atmosfera fina ou até mesmo sem atmosfera, essas cascatas acontecem a apenas poucos metros acima da superfície, podendo ser refletida de volta (albedo), aumentando significativamente o ambiente de radiação da superfície e consequentemente os danos à possíveis moléculas orgânicas existentes.
Estamos protegidos da radiação espacial na Terra? Considerações finais
Sim, mas não totalmente. A vida na Terra é protegida parcialmente do impacto das radiações solar e cósmica pelos campos magnéticos que cercam a Terra e nos protegem de ventos solares e raios galácticos cósmicos; pela atmosfera terrestre que bloqueia a radiação ultravioleta danosa e pelos cinturões de Van Allen, que fazem parte dos campos magnéticos. À medida que se afasta das camadas protetoras da Terra, a vida é exposta a todo o espectro de radiação eletromagnética e seus efeitos prejudiciais.
O nosso planeta adquiriu condições ideais de habitabilidade ao longo de bilhões de anos, que permitiram a prosperidade e manutenção das formas de vida que conhecemos hoje. A presença da atmosfera também desempenha outras funções importantes para a manutenção da vida como manter a temperatura média do planeta (evita grandes amplitudes térmicas entre o dia e a noite e mantém o estado líquido da água) e aquecer a superfície por meio da retenção de calor (efeito estufa).
O planeta Marte pode ter tido condições ideais para sustentar formas de vida em seu passado, quando apresentava um campo magnético que sustentava uma atmosfera muito mais densa do que a atual, e um provável oceano de água líquida. Evidências semelhantes a leitos de rios secos e minerais que só se formam na presença de água líquida indicam que o antigo clima marciano era muito diferente, quente o suficiente para a água fluir na superfície por longos períodos. A água líquida não é mais estável na superfície de Marte hoje porque a atmosfera agora é muito fria e fina para suportá-la, já que parte da mesma foi varrida por ventos solares e radiação espacial, de um sol primitivo e mais intenso, e seu oceano foi perdido para o espaço.
Por todos essas diversos papéis da radiação espacial em processos astrofísicos e interação com superfícies planetárias que podem afetar diretamente as formas de vida que conhecemos (e as que podem já ter surgido em algum momento pelo Sistema Solar), estudar as implicações da radiação na astrobiologia e exploração espacial pode nos ajudar a chegar cada vez mais perto de desvendar questões sobre o início da vida, como ela pode estar lidando ou ter lidado com o ambiente extraterrestre e principalmente a aprimorar estratégias de proteção para avanços na exploração com viagens tripuladas.