As cavernas e a Astrobiologia

Texto de autoria de
Alessandra Mendes Carvalho Vasconcelos
UFVJM, Diamantina, Brasil

Uma caverna pode ser definida como um grande espaço vazio em meio a uma massa rochosa que está localizada sob o solo, ora com aberturas mínimas que nem lhe permitem acesso, ora com grandes aberturas magníficas ao nível da superfície. Muitas delas, talvez sua grande maioria, nunca foram exploradas e constituem mundos à parte, a vários e vários metros abaixo do solo, protegidos das intempéries e da ação humana.

Gruta Monte Cristo, Diamantina, MG. Imagem de Alessandra Vasconcelos.

Cavernas são ambientes afóticos, ou seja, com pouca ou nenhuma luz, com uma infinidade de morfologias preservadas, minerais variados, processos de formação únicos, e espécies da biota que só acontecem ali, devido a esta conjunção de elementos. Aliás, quando falamos em cavernas, cavidades, grutas, termos sinônimos, não nos referimos a um único espaço, pois a cavidade faz parte de um sistema chamado cárstico. Este sistema é dividido em três componentes: i) exocarste, com as morfologias superficiais que, originalmente, se formaram no subsolo e depois foram expostos pela erosão; ii) criptocarste, que é exatamente o exocarste quando estava enterrado, ou seja, aquelas rochas que estão sob o solo, sendo intemperizadas pela ação da água reservada do solo e carregada de acidez da matéria orgânica das plantas em decomposição; iii) endocarste, ambiente subsuperficial que está sendo formado pela carstificação, ou seja, pela reação da água em contato com a rocha, seja de suas fissuras, seja nas massas de material alterado (saprólito - material particulado, friável), e a posterior ação hidrodinâmica, responsável pela erosão que irá retirar o novo material recém transformado (saprólito), deixando espaços vazios em seu caminho. Assim, esses espaços são chamados de cavernas, com seus condutos, salões e outras morfologias.

Esquema de formação de uma caverna. Este é o modelo de evolução por raízes de introdução, ou seja, locais por onde a água consegue passagem, alterando a rocha e formando a alterite. Esse material inconsolidado, uma hora encontra um ponto de restituição, deixando um vazio - o carste ou caverna - para trás. Imagem adaptada de Rodet (2012).

Este ambiente subsuperficial profundo (de poucos a centenas de metros) apresenta um microclima local, peculiar, que será influenciado pelo macroclima regional a partir da energia que é transmitida pela condução térmica da rocha, diminuindo até suas partes mais profundas, graças à fissuração, à penetração do ar e da água. Na direção oposta, também existe uma energia que vem da profundidade do subsolo na forma do grau geotérmico (aumento de 1°C a cada 33 metros, em média). Dessa forma, será a relação entre a energia externa e a interna que irá gerar este microclima único (Decau et al, 1977).

Na verdade, podemos citar um conjunto de condições únicas ao ambiente cavernícola — totalmente diferentes daqueles encontrados na superfície. As características físico-químicas como mineralogia específica, por exemplo, muitas vezes podem ser uma fonte indireta de alimentos para microrganismos. As bactérias quimioautotróficas utilizam como fonte de energia a oxidação dos minérios (energia liberada na quebra de ligações químicas de compostos inorgânicos), uma vez que elas não realizam fotossíntese por encontrar-se em uma região totalmente escura da caverna, área onde estão também os troglóbios, animais com várias formas de adaptação a este ambiente escuro. Uma outra característica das cavidades é a diferença da composição do ar, com um pouco mais de dióxido de carbono e um pouco menos de oxigênio (Renault, 1972), contando até com a presença de gás radônio em algumas delas, conforme estudo de Silva (2020), ocorrendo principalmente quando a circulação do ar é estagnada ou lenta. Assim, a circulação do ar também exerce um papel importante, tal qual a umidade e a temperatura ao longo do ano, além da natureza das rochas em que a caverna está ligada, já que influenciará na mineralogia (fonte de energia para os microrganismos).

Cavernas reúnem condições especiais e específicas em seu interior. Por não se conectarem com o meio externo, acabam figurando como ambientes isolados e muitas vezes extremos. Por isso, o interesse destes locais para a Astrobiologia. Imagem de Alessandra Vasconcelos.

Neste contexto, além dos macrorganismos (por exemplo, insetos; ácaros; nematóides), uma grande variedade de microrganismos pode ser encontrada neste ambiente, como fungos filamentosos (principalmente em decorrência da alta umidade e temperatura estável desses locais), bactérias heterotróficas (utilizam compostos orgânicos de carbono e nitrogênio como fontes de energia) e bactérias autotróficas (utilizam exclusivamente o CO2 como fonte de carbono ou oxidam substâncias minerais como única fonte de energia) (Paula, 2018).

Observamos que cavernas são ambientes tão isolados que preservam suas condições por milhares de anos sem ter sido sequer tocadas. São ambientes únicos e, é exatamente esse aspecto tão único que transforma as cavernas em “superfícies extraterrestres”, ou seja, locais interessantes para estudos astrobiológicos. Em especial, o estudo do desenvolvimento de microrganismos que sobrevivem utilizando como fonte a energia minerais, como sulfetos de hidrogênio, manganês e ferro dentro de cavernas, é uma forma de entendermos como estes organismos transformam as rochas, sobrevivendo apenas com energia química nestes ambientes estáveis e livres por milhares de anos — livres de eventuais condições extremas e variáveis que ocorram na superfície. Isto torna as cavernas excelentes sítios para a procura de vida em corpos celestes cujas superfícies apresentem condições muito adversas.

Entrada da Gruta Monte Cristo, em Diamantina, MG. Ela tem servido como área de estudos astrobiológicos, sobretudo para a investigação dos tipos metabolismos que sobrevivem em cavernas. Para mais informações, veja o trabalho de Bendia e colaboradores (2022). Imagem de Alessendra Vasconcelos.

Com base no que foi exposto, podemos dizer que os estudos de seres cavernícolas, em especial os microrganismos, podem nos ajudar a saber o que procurar ao buscarmos vida subterrânea em Marte e em outros planetas e satélites. Depois de estudarmos as diferentes cavernas e estes microrganismos que vivem dentro delas, podemos procurar condições semelhantes em outros planetas. Se a vida pode sobreviver em ambientes tão exóticos e, até mesmo, extremos, como são as cavernas, talvez também haja vida em cavernas que estão além dos limites do nosso próprio planeta.

Leitura recomendada:
BENDIA, A. G. et al. (2022). Metagenome-assembled genomes from Monte Cristo Cave (Diamantina, Brazil) reveal prokaryotic lineages as functional models for life on Mars. Astrobiology, v. 22, n. 3, p. 293-312.

DECOU, V; GINET, R. (1977). Initiation à la biologie et a l´écologie souterraines. Jean-Pierre Delarge éditeur, Paris: 354 p.

PAULA, C. C. P. (2018). Dinâmica e diversidade das comunidades microbianas em cavernas tropicais do Brasil central. Tese de doutoramento, orientadora Drª. Mirna Helena Regali Seleghim, Programa de Pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Unviersidade Federal de São Carlos: 151 p.

SILVA, N. V. M. (2020). Análise comparativa da concentração do gás radônio e das suas doses resultantes em cavernas de litologias carbonáticas, quartizíticas e ferruginosas, localizadas no Quadrilátero Ferrífero-Aquífero e em seu entorno regional. CDTN, Ciência e tecnologia das radiações, minerais e materiais, Dissertação de mestrado, Orientador Paulo Cesar Horta Rodrigues, Belo Horizonte: 219 p.

RENAULT, P. (1972) Le gaz de cavernes, Découverte, Dunod, éd. Paris, no, 3442, 12-18.

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